sábado, 24 de março de 2012

Autor de 'Avenida Brasil' quer ser popular, sem deixar as surpresas de lado

 
Entre o risco e a certeza, João Emanuel Carneiro jura que prefere o primeiro. E segundo ele, é com essa vontade de experimentar que assina "Avenida Brasil", sua segunda incursão como autor de novela das nove. A primeira experiência no horário "A Favorita", de 2008 deu bem certo, tanto que ganhou outra chance. "Para escrever a novela principal da emissora, é preciso alinhar meu gosto pelo desconhecido com êxito comercial. E sucesso na tevê é algo imponderável", analisa. As incertezas permeiam as novelas de João, desde sua estreia, com "Da Cor do Pecado", de 2004, primeira novela brasileira protagonizada por uma atriz negra. No caso, Taís Araújo. A novela agradou na audiência e, mesmo com a repercussão menor de sua segunda trama às sete da noite, "Cobras & Lagartos", de 2006, suas histórias carregadas de vingança e guiadas por mulheres fortes chegaram ao horário nobre com a engenhosa "A Favorita". "Foi uma grande brincadeira entre a mocinha e a vilã. O público estranhou, mas depois embarcou na viagem", gaba-se.

Natural do Rio de Janeiro, aos 42 anos, João mostra-se amadurecido e sem os receios de ser um estreante no horário nobre. A fixação pelo avesso e diferente aparece em sua nova trama na figura de Nina, de Débora Falabella, uma mocinha capaz de atrocidades para saciar seu desejo de vingança. "Quero mexer no perfil da mocinha. Acho que brincar, subverter isso, pode ter um resultado interessante. É como uma leitura feminina para a história do Robin Hood, ou um Charles Bronson em Desejo de Matar", compara, aos risos.

P - Em "A Favorita", você conseguiu plantar a dúvida no público sobre quem era a heroína e a vilã da história. Agora em "Avenida Brasil", você apresenta Nina, de Débora Falabella, uma mocinha torpe. Está preparado para uma possível rejeição do público, assim como aconteceu nos capítulos iniciais da trama anterior?

R - 
Preciso ter interesse pela história para alimentar o meu tesão em escrever os capítulos da novela. Em "A Favorita", começar pelo fim da trama e ter a brincadeira entre quem é a mocinha e a bandida me divertiu bastante. Gosto de causar esse desconforto pela curiosidade. A ideia central de "Avenida Brasil" parte de um questionamento: "os fins justificam os meios?". Como os motivos da Nina são muito fortes, creio que o público vai torcer por ela. A maior provocação da novela é tirar a mocinha da sua zona de conforto e santidade. Acho que não vai haver rejeição. Meu santo é forte (risos).

P - Esta é sua segunda empreitada pelo horário das nove. E "Fina Estampa" é o maior sucesso recente no horário. Quais suas apostas para manter a audiência próximo dos 40 pontos?

R - 
Substituir "Fina Estampa" é uma missão importante. A novela do Aguinaldo (Silva) caiu em cheio no gosto popular. Falou a língua de quem assiste a novela das nove. E os números de audiência foram incríveis. É claro que fico nervoso com isso, mas a única coisa que posso fazer é entregar o meu melhor. Por isso, estou apostando em personagens de características bem populares e em uma cadência entre drama e humor bem semelhante ao que fiz em "Da Cor do Pecado".

P - O núcleo principal é claramente dramático. Quais são os pontos de humor em "Avenida Brasil"?

R - 
Quando o assunto é humor, cada autor tem seu estilo. Não sou da piada pronta. Aposto muito na repercussão da história do Cadinho (Alexandre Borges) e suas três mulheres. A Suelen, personagem da Isis Valverde, também é muito engraçada. A tensão fica por conta do drama entre a Nina (Débora Falabella) e a Carminha (Adriana Esteves). Em volta disso, tudo é mais colorido.

P - A Globo está mirando sua programação no alardeado crescimento da "Classe C". Houve algum pedido para adequar sua trama nesta proposta?

R - 
A emissora não me pediu nada. Essa novela não é uma encomenda. Na verdade, é um desejo antigo meu. Minha novela é quase que totalmente ambientada no subúrbio. Ao retratar esse universo, faço de forma inventada, sem compromissos sociológicos, e ainda brinco com o "glamour". Na minha pesquisa para a trama, o que vi em locais como Vila da Penha e Del Castilho (bairros da Zona Norte do Rio de Janeiro), foi uma efervescência do consumo na região. Essa novela retrata exatamente isso.

P - Então fazer uma trama de tom claramente mais popular é apenas coincidência?

R - 
Sim. Aliás, o Brasil mais popular está na moda. Gilberto Braga é conhecido por seus núcleos de milionários, mas "Insensato Coração" era pura classe média. Os emergentes da Barra da Tijuca retratados em "Fina Estampa" também são extremamente populares e demonstram esse novo poder de compra.

P - Qual sua relação com as áreas mais populares da cidade?

R - 
Moro em Ipanema e fui criado no Leblon. Decididamente, não sou do subúrbio. Mas, desde criança, frequentava a casa da minha babá, no Méier (bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro). Ela se chamava Conceição e morava em uma casa de vila. Ficar por lá me deu certa vivência. A Marta, minha empregada atual, também é uma fonte. Ela mora em Cabuçu, um bairro de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Além disso, para complementar minha pesquisa, passei a frequentar festas na região da Baixada e da Zona Norte do Rio.

P - As duas tramas que antecederam "Avenida Brasil" fizeram sucesso com personagens gays e mulheres voluptuosas. O que você acha dessa repetição de estereótipos dentro das novelas?

R - 
Não gosto da obrigação de ter certos tipos de papéis na minha novela. Porém, não acho que seja uma repetição. Dentro de aspectos diferentes, são personagens que representam uma parte da população. Toda novela tem de ter uma "periguete", porque elas estão por aí. Em "Insensato Coração" era a Natalie, da Deborah Secco. Já em "Fina Estampa", temos a Sol do Recanto (Carol Macedo) e a Teodora (Carolina Dieckmann). Agora vamos ter a Suelen, que é uma messalina errática. Ela tem uma personalidade mais trágica do que as outras "periguetes" da dramaturgia.

P - Personagens gays também terão destaque em "Avenida Brasil"?

R - 
Sei da popularidade dos gays nas novelas recentes. O Crô, do Marcelo Serrado, é maravilhoso! Mas não acho que seja necessário para o sucesso de uma novela. Existe um personagem gay em "Avenida Brasil". Mas, por enquanto, está enrustido. Nem sei se ele vai se revelar. Ainda não decidi isso.

P - Você já utilizou o cenário do lixão em cenas de "Da Cor do Pecado" e "Cobras & Lagartos". Agora, ele passa a ser um dos ambientes principais de "Avenida Brasil". O que este cenário representa para a trama?

R - 
O lixão funciona como o inferno da novela, é o local de punição dos personagens. Ele está sempre nas minhas novelas também por uma questão estética. Eu gosto do contraste dos personagens com esse cenário. A primeira vez que utilizei foi em uma cena de "Da Cor do Pecado", onde a Bárbara, da Giovanna Antonelli, está vestida de noiva, passeando, desnorteada, pelo lixo.

P - Na chamada de lançamento da novela, a cena em que Nina é abandonada no lixão impressiona pela forte dramaticidade. Esta sequência pode ser considerada a base da trama?

R - 
Digo que ela é pontual. É como se fosse a motivação da história. A cena final do primeiro capítulo é que vai sintetizar muito o que a novela quer mostrar como um todo. Não posso contar como será. Não quero entregar o jogo. A estratégia de divulgação foi de revelar muito pouco sobre o universo da novela. É importante fazer esse segredo para surpreender. 

Jornal Cruzeiro do Sul

Nenhum comentário:

Postar um comentário